Estado e Constituicao

1. Pressupostos: o fenómeno político e o Estado

CANOTILHO (1999) alude que desde o século XX que o conceito de Estado é assumido como uma forma histórica de um ordenamento jurídico geral cujas características ou elementos constitutivos eram, a territorialidade, isto é, a existência de um território concebido como "espaço da soberania estadual"; a população, ou seja, a existência de um "povo" ou comunidade historicamente definida; e a politicidade: prossecução de fins definidos e individualizados em termos políticos.

 

A organização política do Estado era uma parte fundamental da Constituição. O Estado não desaparecerá totalmente do discurso político-constitucional: ele constitui a forma de racionalização e generalização do político nas sociedade modernas.( CANOTILHO, op. cit.)

 

O Estado pode caracterizar-se, juridicamente, como o detentor, dentro de um território, do poder soberano, quer em face dos sujeitos externos a esse território, a soberania externa, quer face dos sujeitos que residam, ou actuem, no seu interior, a soberania interna. Neste sentido, a doutrina qualifica o Estado como pessoa jurídica, uma instituição, dando-lhe o estatuto complexo de corporação territorial, de suporte institucional de um ordenamento jurídico (Hans Kelsen) e detentor do monopólio da coerção legítima (Max Weber

 

2. O Estado como comunidade política

Há doutrinas[1] que apresentam duas perspectivas primárias das quais o Estado pode ser encarado: como Estado-comunidade e como Estado-poder; como sociedade, de que fazemos parte e em que se exerce um poder para a realização de fins comuns, e como poder político manifestado através de órgãos, serviços e relações de autoridade . Mas estas perspectivas não devem cindir-se, sob pena de se perder a unidade de que depende a subsistência do político; e essa unidade é, para o que aqui interessa, uma unidade jurídica, resulta de normas jurídicas.

Um Estado, unidade política básica desde o século XVI, é uma comunidade política organizada ocupando um território definido, possuindo um governo organizado e soberanias interna e externa. O reconhecimento da independência de um Estado por parte de outros estados é importante para estabelecer soberania.

 

3. Constituição como estatuto jurídico fundamental da comunidade política

Em qualquer Estado, em qualquer época e lugar, encontra-se sempre um conjunto de regras fundamentais, respeitantes à sua estrutura, à sua organização e a sua actividade, escritas ou não escritas. Encontra-se sempre uma Constituição como expressão jurídica do enlace entre o poder e a comunidade política ou entre os sujeitos e destinatários do poder. É a chamada Constituição em sentido institucional, é através desses princípios que se opera a institucionalização do poder político. Só diante de uma Constituição que seja fundamento do poder (e por conseguinte seu limite haverá Estado de Direito). Por outro lado não há Constituição em sentido material que não abranja uma Constituição económica, mesmo quando a Constituição em sentido formal ou em sentido instrumental a parece ignorar.

 

3.1 – Noção e alcance da Constituição

Conceito de Constituição

 

A doutrina define de diversas formas a Constituicao. O ciência do Direito Constitucional  estuda a Lei das leis de cada povo desde Aristóteles na Grécia antiga que a ela faz menção em sua obra intitulada: “Política” = estudo da cidade que consistia no que hoje denominamos Estado, pois os homens iniciaram a vida em sociedade através da “polis” grega, definindo-a como ... “a ordem da vida em comum naturalmente existente entre os homens de uma cidade ou de um território”.

 

ORBAN: “é a lei fundamental do Estado, anterior e superior a todas as outras”.

                                               

LESTRADE: “fixa as relações entre governantes e governados”.

 

COOLEY: “é o corpo de regras e máximas segundo as quais os poderes da soberania são habitualmente exercidos”.  (americano)

 

WATSON: “um instrumento escrito que discrimina os poderes e suas limitações, separa as funções e define a autoridade de cada ramo de governo”. (americano)

 

BLACK: “A Constituição de um Estado é a lei fundamental do Estado, contendo os princípios sobre os quais se fundamenta o governo, regulando as divisões dos poderes soberanos, ordenando as pessoas às quais cada um deles deve ser confiado e a maneira pela qual deve ser exercido”.   

 

MAURICE HAURIOU: “A Constituição de um Estado é o conjunto de regras relativas ao governo e à vida da comunidade estatal, considerada desde o ponto de vista da existência fundamental desta”. (jurista francês)

 

JELLINECK (Teoria Geral do Estado): “A Constituição dos Estados, abraça, por conseguinte, os princípios jurídicos que designam os órgãos supremos do Estado, os modos de sua criação, suas relações mútuas, fixam o círculo de ação e, por último, a situação de cada um deles com respeito ao poder do Estado”.

 

Pinto Ferreira “lei fundamental do Estado, ou a ordem jurídica fundamental do Estado. Essa ordem jurídica fundamental se baseia no ambiente histórico-social, econômico e cultural onde a Constituição mergulha as suas raízes. As Constituições são, assim, documentos que retratam a vida orgânica da sociedade, e nenhuma delas foge ao impacto das forças sociais e históricas que agem sobre a organização dos Estados.”

 

 

Conceito de constituição:

 

Segundo Gomes Canotilho, constituição é uma “ordenação sistemática e racional da comu­nidade política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os direitos fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político.

 

A Constituição é um estatuto reflexivo que, através de certos procedimentos, do apelo a auto-regulações, de sugestões no sen­tido da evolução político-social, permite a existência de uma pluralidade de opções políticas, a compatibilização dos dissensos, a possibilidade de vários jogos políticos, a garantia da mudança através da construção de rupturas (Teubner, Ladeur).

 

3.2- Evolução histórica da Constituição

Todos os países possuem, possuíram sempre, em todos os momentos da sua história, uma Constituição real e efectiva. Em Roma, a expressão constitutiones principium era utilizada para indicar os actos normativos do imperador que passaram a ter valor de lei. As Constituições imperiais não tinham por isso o sentido de Constituição de um Estado: eram sim fonte escrita de direito com valor de lei.

 

O Constitucionalismo associou ao conceito de Constituição uma forma e uma consistência tais que lhe permitissem desempenhar a função material que dela se esperava.

 

É no constitucionalismo Romano dá-nos um conceito de Constituição, como organização política do povo, que é um conceito tendencialmente jurídico e que realça a importância do povo como organismo ligado por estruturas jurídicas em vista de um fim comum.

 

A ideia fundamental como a lei suprema limitativa dos poderes soberanos foi particularmente salientada na Franca, e reconduzida à velha distinção do século VI entre “ lois de royaume ” e “lois du roi”. A ideia da organização constitucional do Estado começou a ganhar vulto no século XVIII com o chamado movimento constitucional impulsionado pelas revoluções americana e francesa.

 

No entanto costuma-se recorrer ao processo de sedimentação do constitucionalismo britânico para apontar uma espécie de pré-história constitucional. Alguns autores marcam o início desta pré-história em 1215, a data da imposição a João Sem Terra da Magna Carta. Em 1628 a Petition of Right é já uma tentativa de tomada de posição do parlamento sobre os princípios fundamentais das liberdades civis.

 

No século XVII, surgem os célebres convenants (contratos entre os colonos fixados no continente americano e a mãe pátria estabelecendo os direitos e obrigações recíprocas). A primeira tentativa de Constituição escrita verificou-se ainda na Inglaterra com o Agreement of the People (1647-1649).

 

O Instrument of Government (1653) de Cromwell, é considerado como a primeira verdadeira Constituição escrita, aproximando-se das fórmulas constitucionais autoritárias da época contemporânea.

 

Com o triunfo do movimento constitucional impôs-se nos primórdios do século XIX o chamado conceito ideal de Constituição, cujos elementos caracterizadores eram:

· A Constituição deve consagrar um sistema de garantias da liberdade, como reconhecimento de direitos individuais e participação do povo nos actos do poder legislativo através dos parlamentos;

· A Constituição contém o princípio da divisão de poderes no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes Estaduais;

· A Constituição deve ser escrita.

Com base neste conceito ideal passou-se a distinguir entre Estados Constitucionais (aqueles que dispõem de uma ordenação Estadual plasmada num documento escrito, garantidor das liberdades e limitador do poder mediante o principio da divisão de poderes) e Estados não Constitucionais.



[1] Posicao acolhida por MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, Almedina…