Conceito de Obrigacao

 

Obrigação: conceito, objecto, estrutura e caracterização

1.1 Conceito

 Faz-se comummente referencia a um conceito amplo de obrigação, ora esse conceito mais alargado terá de ser depurado por forma a obter um conceito mais estrito, esse sim relevante ao Direito da Obrigações.

Obrigação em sentido amplo – é uma figura susceptível de abranger um conjunto de obrigações que são exorbitantes ao domínio do direito das obrigações, tais como: as obrigações morais, cívicas, religiosas, etc.

 Obrigação em sentido estrito (sentido técnico) – corresponde à formulação do artigo 397º CC e é a relação em que ao direito subjectivo atribuído a um determinado sujeito, corresponde um dever de prestação que incumbe a outro sujeito determinado.

Assinala-se desde já o facto de se tratar de uma relação inter subjectiva, logo entre sujeitos determinados.

A obrigação em sentido técnico vai ter como objecto uma prestação, um comportamento imposto ao sujeito passivo, o devedor. Esse comportamento, ao qual o devedor está obrigado visa satisfazer o interesse do credor (sujeito activo).

Num conceito mais completo, a obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica sujeita a satisfazer uma prestação económica em proveito de outra.

O CC define a obrigação como “vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização de uma prestação”. (artigo 397CC).

Importa agora fazer a distinção entre Obrigação e outras figuras, são elas:

.Dever jurídico

.Estado de Sujeição

.Ónus Jurídico

·Poder-dever

 ·Dever jurídicoPor dever jurídico entende-se a necessidade imposta pelo direito objectivo, a uma dada pessoa, de observar determinado comportamento. É uma ordem, um comando, uma injunção dirigida à inteligência e à vontade doa indivíduos, que, no plano dos factos podem ou não proceder de acordo com ele. Como tal a imposição do comportamento é normalmente acompanhada da cominação de algum meio coercitivo.

 O dever jurídico é o contrapolo do direito subjectivo, logo, está associado à possibilidade de o sujeito activo (titular do direito) o exigir coercitivamente.

Desde já verificamos que o dever jurídico, correspondente ao direito subjectivo não se confunde com o lado passivo da relação obrigacional (este é sempre um dever de prestação).

 Aos deveres jurídicos podem corresponder, do lado activo da relação jurídica, direitos de crédito, direitos reais, direitos de personalidade, etc.

Como exemplo do que acabamos de dizer ateste-se no seguinte: Ao direito de propriedade (direito real por excelência) corresponde uma obrigação de abstenção adstrita a todos os terceiros indeterminados, a chamada obrigação passiva universal que se impõe erga omnes.

 Já o dever de prestar é o contrapolo do direito de crédito. A relação obrigacional estabelece-se entre sujeitos determinados. Ao credor importa que o devedor efectue a prestação com vista à satisfação do seu interesse, ao devedor interessa que a obrigação rapidamente se extinga, preferencialmente através do seu cumprimento.

 Podemos concluir que o dever jurídico é uma categoria bastante mais ampla que os deveres de prestação, sendo que estes são abarcados por aqueles. Nas obrigações existe sempre uma correlação intersubjectiva.

 ·Estado de Sujeiçãocomo vimos o dever jurídico é o contrapolo do direito subjectivo, já o estado de sujeição é o contrapolo do direito potestativo.

O direito potestativo é a faculdade concedida, pela ordem jurídica, a determinada pessoa, de, per si ou integrada numa decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte, dizendo-se que esta fica num estado de sujeição.

 O estado de sujeição consiste exactamente na situação em que a contraparte suporta na sua esfera jurídica (sem que nada possa fazer para a isso se escusar) os efeitos da actuação do titular do direito potestativo. Efeitos tendentes à criação, modificação ou extinção de relações jurídicas.

 O titular passivo da relação nada tem de fazer para cooperar na realização do interesse da contraparte, é precisamente na desnecessidade de consentimento do próprio para que determinada relação se crie, modifique ou extinga na sua esfera jurídica que Botticher coloca a tónica do direito potestativo.

 Do lado activo da relação tem-se caracterizado o direito potestativo (por contraposição aos poderes jurídicos em geral) por uma dupla nota:

 a)O direito potestativo é inerente a uma relação jurídica pré-existente.

 b)O direito potestativo esgota-se com o acto do seu exercício.

 Como já vimos, o direito de crédito não prescinde da cooperação do devedor através da prestação (positiva ou negativa) a que este está adstrito.

 ·Ónus JurídicoÉ a imposição de observância de determinado comportamento a um sujeito, de forma a alcançar ou manter uma vantagem ou evitar uma desvantagem. Ex. Alguém compra um imóvel e procede ao registo com vista a torna a aquisição oponível a terceiros.

 Não é um estado de sujeição, na medida em que se exige que o interessado proceda de determinada maneira para que os efeitos pretendidos se produzam. De igual forma, não é um dever jurídico (excepção feita ao caso do registo predial, este sim, obrigatório e que marca a viagem de simples ónus para verdadeiro dever jurídico) no sentido em que o não cumprimento do ónus não acarreta, para o onerado, qualquer tipo de sanção.

 O ónus jurídico caracteriza-se por duas notas, são as seguintes:

 a)O acto a que o ónus se refere não é imposto como um dever, logo, à sua inobservância não está associada uma sanção.

 b)O acto visa satisfazer o interesse do onerado e não de terceiros.

 É de referir a posição do Prof. Menezes Cordeiro que, ao invés do Prof. Antunes Varela, estabelece diferenças entre ónus e encargo ou incumbência, para Menezes Cordeiro os ónus satisfazem apenas os interesses do onerado.

 ·Poder-dever (poderes funcionais) – São exemplo de poderes-deveres os deveres recíprocos dos cônjuges, poderes paternais, poderes da tutela, etc.

 São direitos conferidos no interesse, não do titular ou não apenas do titular, mas também de outra ou outras pessoas e que só são legitimamente exercidos quando se mantenham fieis à função a que se encontram adstritos.

Assemelham-se aos direitos subjectivos e, consequentemente, aos direitos de crédito, na medida em que conferem ao respectivo titular o poder de exigir de outrem determinado comportamento. No entanto distinguem-se dos direitos subjectivos patrimoniais porque o titular não é livre no seu exercício, tendo obrigatoriamente que exerce-los, por um lado e de faze-lo em obediência à função social a que o direito se encontra adstrito, por outro.

 1.2 Estrutura: sujeito, objecto, facto e garantia

1-Sujeitos – São os titulares da relação (passivo e activo). É o elemento primordial da relação e é composto pelo credor (lado activo) e devedor (lado passivo).

 O credor é a pessoa a quem se proporciona a vantagem resultante da prestação, o titular do interesse que o comportamento do devedor visa satisfazer.

 Ser titular do interesse significa:

 Ser o credor o portador de uma situação de carência ou de uma necessidade

Haver bens (coisas, serviços) capazes de preencherem tal necessidade.

Haver uma apetência ou desejo de obter estes bens para um suprimento da necessidade ou satisfação da carência.

O credor é o amo e senhor da tutela do seu interesse. A tutela do seu interesse depende da sua vontade, o funcionamento dela está subordinado à iniciativa do titular activo da relação.

Art.511º CC – A lei admite que no momento em que a obrigação se constitui o credor (sujeito activo) não esteja determinado (mas seja determinável) no entanto, o devedor já terá de ser conhecido, já que se assim não fosse, não se estabeleceria a obrigação. Ex. 459º - Promessa publica; 452º - Contrato para pessoa a nomear.

O devedor é a pessoa sobre a qual recai o dever (especifico) de efectuar a prestação.

É, como sujeito passivo da relação, quem está adstrito ao cumprimento da prestação, enquanto o credor tem, dentro da relação obrigacional, uma posição de supremacia, o devedor ocupa uma posição de subordinação (subordinação jurídica, que não social, politica ou pessoal).

Se não cumprir pontualmente, é sobre o devedor que recaem as sanções estabelecidas na lei, e será sobre o património do devedor que irá recair a execução destinada a indemnizar o dano causado ao credor quando a prestação não seja voluntária ou judicialmente cumprida (art. 817º e 601º).

Apenas o credor tem direito à prestação, e esta apenas do devedor pode ser exigida.

A obrigação tem assim carácter relativo, porque vincula pessoas determinadas, ao invés dos direitos reais ou direitos de personalidade que, como direitos absolutos que são, valem em relação a um círculo indeterminado de pessoas (erga omnes).

No mais das vezes, existe apenas uma pessoa de cada lado da relação (um credor e um devedor) neste caso a obrigação diz-se singular.

No entanto a obrigação pode ser plural, quer do lado activo quer do lado passivo quer, simultaneamente do lado activo e passivo.

2-O Objecto – O objecto da obrigação consiste na prestação, conduta adstrita ao devedor (devida ao credor).

A conduta do devedor é o meio pelo qual o credor irá alcançar determinada posição (meio através do qual o credor verá cumprida a satisfação do seu interesse).

A prestação será positiva ou negativa, isto é, consistirá tanto numa acção como numa omissão.

A prestação é o fulcro da obrigação. Distingue-se do dever geral de abstenção próprio dos direitos reais, já que o dever de prestar é um dever específico (apenas atinge o devedor) ao contrário da obrigação passiva universal que se dirige a todos os terceiros.

No que concerne ás prestações de coisa podemos falar no objecto imediato e mediato da prestação.

Objecto imediato – consiste na própria conduta a adoptar pelo devedor, no próprio acto de entrega da coisa.

Objecto mediato – consiste na coisa em si, no objecto da prestação, o bem sobre o qual incide a compra e venda.

Podendo existir na prestação de coisa a distinção que acabamos de assinalar, é de referir a posição do Prof. Menezes Leitão; “O interesse do credor verifica-se normalmente em relação à coisa, que tem uma existência independente da prestação, e não em relação à actividade do devedor. No entanto, o direito de crédito nunca incide directamente sobre a coisa, antes sobre a conduta do devedor, já que se exige sempre a mediação da actividade do devedor para o credor obter o seu direito. Daí que mesmo nos casos de prestações de coisa, o credor não tenha qualquer tipo de direito sobre a coisa, o que só sucede no caso dos direitos reais, mas antes um direito a uma prestação, que consiste na entrega dessa coisa.

Requisitos do objecto

A prestação é o objecto da obrigação e se trata de uma conduta ou omissão humana, ou seja, sempre é dar uma coisa, fazer um serviço ou se abster de alguma conduta. Dar, fazer e não-fazer.

O objecto da obrigação não é uma coisa, mas um facto humano/uma conduta ou omissão do devedor chamada prestação. A prestação possui três espécies: dar, fazer, ou não-fazer. Na obrigação de dar o objecto da prestação é uma coisa, mas o objecto da obrigação é a acção de entregar a coisa, não a coisa em si. Na obrigação de fazer o objecto da prestação é um serviço (ex: o advogado redige uma petição, o professor ministra uma aula). Finalmente, na obrigação de não-fazer, o objecto da prestação é uma omissão/abstenção (ex: um cidadão é vedado a realizar uma obra).

As obrigações de dar e de fazer são positivas, e a de não-fazer é a chamada obrigação negativa.

O objecto da obrigação para ser válido precisa ser: lícito  possível, (artigo 4001 CC) determinável (a coisa devida precisa ser identificada) – artigo 400 CC; e ter valor económico para viabilizar o ataque ao património do devedor em caso de incumprimento.

Discute-se se ao lado da possibilidade física e legal, da licitude e da determinabilidade, há ainda lugar aos requisitos da patrimonialidade e da autonomia como requisitos constitutivos das obrigações.

Grande parte da doutrina estabelece que as prestações sem valor patrimonial são validas, tal é perceptível na formulação do art.496º CC, que refere a ressarcibilidade por danos não patrimoniais e de forma extensiva na norma do art.398º nº2 do mesmo diploma legal.

Prescinde-se assim, de que a prestação tenha valor económico, ou seja, susceptível de avaliação pecuniária, bem como não se exige que o interesse do credor na prestação tenha carácter patrimonial.

Assim sendo, a lei apenas estabelece dois requisitos, são eles:

1) A prestação (estipulada) corresponda a um interesse real do credor.

2) Esse interesse do credor deve ser digno de protecção legal.

São, portanto objecto possível de obrigações:

a)      As prestações de carácter patrimonial

b)      As prestações, que embora se destinem a satisfazer interesses de ordem não patrimonial são susceptíveis de avaliação económica (ex. lições de musica leccionadas por um professor qualificado)

Quanto ás prestações de carácter não patrimonial e não susceptíveis de avaliação económica, a lei, ao estabelecer os critérios já referidos pretende:

1-Afastar as prestações que correspondem a um mero capricho ou a uma simples mania do credor.

2-Excluir as prestações que, podendo ser dignas de consideração de outros complexos normativos, como por exemplo a religião, a moral, a cortesia, não merecem a tutela especifica do direito.

A prestação, há-de, em suma, satisfazer uma necessidade séria e razoável do credor, que justifique socialmente a intercessão dos meios coercitivos próprios do direito.

Facto Jurídico - É todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante. Esta relevância jurídica traduz-se principalmente, senão mesmo necessariamente na produção de efeitos jurídicos.

A constituição de uma relação jurídica depende sempre de um evento, evento esse a que o Direito reconhece relevância como fonte de eficácia jurídica. A delimitação de facto jurídico é tarefa que cabe ao próprio Direito.

A criação de efeitos jurídicos cabe à norma jurídica. Daí que, os factos jurídicos constituam a caracterização das situações que sob forma hipotética a norma faz depender a produção de efeitos de Direito.

Para o prof. Oliveira Ascensão: a factispécie pressupõe já uma situação juridicamente valorada, a que se ligam ulteriores efeitos jurídicos, para o facto de sobrevir determinado facto jurídico.

Os factos jurídicos podem ser classificados em:

- Factos voluntários ou actos jurídicos, resultam da vontade como elemento juridicamente relevante, são manifestação ou actuação de uma vontade; são acções humanas tratadas pelo direito enquanto manifestação de vontade.

- Factos jurídicos involuntários ou naturais, são estranhos a qualquer processo volitivo – ou porque resultam de causas de ordem natural ou porque a sua eventual voluntariedade não tem relevância jurídica.

Classifica-se, os factos humanos em voluntários, e os factos naturais em extraordinários/involuntários.

Mas, há factos humanos não voluntários, porque a vontade do Homem não é determinante nem na sua produção nem nos efeitos que lhes são correspondentes (por exemplo o nascimento).

2. Garantia Jurídica

A lei não se limita a impor um dever de prestar ao obrigado e a atribuir ao credor o correlativo à prestação. Procura assegurar também a realização coactiva da prestação sem prejuízo do direito que, em certos casos, cabe ao credor de resolver o contrato ou de recusar legitimamente o cumprimento da obrigação que recaía sobre ele próprio, até que a devedor se decida a cumprir.

A acção creditória, é o poder de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, quando o devedor não cumpra voluntariamente, e de executar o património deste (art. 817º CC).

Vista do lado do devedor, a garantia traduz-se fundamentalmente na responsabilidade do seu património pelo cumprimento da obrigação e na consequente sujeição dos bens que o integram aos fins específicos da execução forçada.

Se o devedor não cumprir espontaneamente a obrigação:

- Ou a prestação é de tal natureza que o credor pode exigir a sua execução específica; ou a prestação, por ser infungível, é insusceptível de execução específica.

- Ou o credor já perdeu o interesse que tinha na prestação e o incumprimento tornou-se definitivo.

Quando se chega a esta situação de o credor ter ao seu dispor a indemnização pelos danos decorrentes do incumprimento, o que garante o cumprimento do crédito e do crédito indemnizatório é o património do devedor.