6. Constituição como fonte de Direito
Canotilho refere que a ideia da Constituicao como fonte de direito surge na história constitucional romana. Aí, a expressão constitutiones principum (edicta, decreta, rescripta, mandata, adnotationes, pragmaticae santiones) era utilizada para indicar os actos normativos do imperador que passaram a ter valor de lei.
As constituições imperiais não tinham, pois, o sentido de constituição de um Estado; eram, sim, fonte escrita de direito com valor de lei. Autores como Lavagna Mortati consideram que na linguagem jurídica romana a expressão constitutiones principum indicava os actos normativos do imperador dotados de eficácia superior a quaisquer outros. Porém, deve notar-se que, primitivamente (século I), as constituições imperiais tinham apenas um valor jurídico de ordem prática e que só a partir do século IV é que elas passaram a ser a única fonte de direito e a ser consideradas sagradas.
Nos nossos dias, as normas de Direito Constitucional são “normae normarum”, afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas, isto é são normas de normas ou fonte primária de produção jurídica implica, o que implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores.
6.1 - Carácter jurídico da Constituição
A Constituição em sentido formal nasce de um acto jurídico, do acto constituinte, seja este único ou instantâneo e se traduza num só diploma ou texto ou consista em actos diversos, documentados em diplomas também vários, de maior ou menor proximidade temporal.
Sendo a Constituição um conjunto de normas, de carácter geral e abstracta, ela se traduz, nas palavras de Canotilho, em “ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os direitos fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político”.
A Constituição quando emanada de um poder constituinte democraticamente legitimado que intencionalmente manifesta a vontade de emanar um acto compreendido na esfera desse poder, de acordo com um procedimento específico, é considerada como a fonte formal do direito.
Poder formal, intenção normativo, procedimento idóneo para a criação de uma lei fundamental são, em princípio, os requisitos gerais exigidos para que um acto tenha a natureza de força jurídica.
6.1.1 - Constituição como fonte positiva do Direito
As fontes de Direito na acepção técnica rigorosa (fontes formais) são os modos de criação - ou, doutro prisma, de revelação - de normas jurídicas.
Por lei (como fonte de Direito) entende-se a formação de normas jurídicas, por via de uma vontade a ela dirigida, dimanada de uma autoridade social ou de um órgão com competência para esse efeito. Envolve, portanto, uma intenção normativa e pressupõe uma especialização de funções na comunidade jurídica ou uma competência predefinida.
A Constituição, como sempre foi dito, é a lei fundamental do Estado. Ela, como fonte positiva de direito, dá validade e fundamento às normas hierarquicamente inferiores. Interessa, porém, precisar melhor o papel da Constituição como fundamento das estruturas normativas. Isto relaciona-se com a própria explicação da ideia de Constituição como norma primária sobre a produção jurídica.
O sentido que aqui se dá à Constituição situa-se muito próximo da noção de Constituição material de Kelsen[1] e do conceito de Constituição substancial de Lavagna[2]. Tal significa que a Constituição vai entendida no sentido de uma norma positiva ou conjunto de normas positivas através das quais é regulada a produção de normas jurídicas.
Nesta acepção, a Constituição é uma norma primária3 sob um duplo ponto de vista: sob o ponto de vista genético-funcional, porque regula os processos através dos quais as normas do sistema jurídico podem ser criadas e modificadas; sob um ponto de vista hierárquico, porque a constituição se situa no topo da pirâmide normativa. A superioridade hierárquica da constituição relativamente às outras normas implica uma relação axiológica entre a constituição e essas normas, precisamente porque a sua primariedade postula uma maior força normativa.
Outro momento essencial da Constituição como norma de produção jurídica relaciona-se com a criação de leis com valor constitucional (leis constitucionais) modificativas das próprias normas constitucionais.
Embora isso não venha explicitado no artigo 295 a CRM é uma norma sobre as fontes normativas ao prever a sua própria revisão através de leis revisão sujeitas a um procedimento específico de formação.
A relevância da constituição como fonte de produção normativa resulta também do facto de em relação a alguns actos legislativos serem as próprias normas constitucionais a regularem momentos fundamentais do procedimento de formação desses actos. É o que acontece, desde logo, com as leis constitucionais de revisão (artigo 295 CRM), com as leis ordinárias (artigos 184 CRM e seguintes), Decretos-Leis (artigos 180 e ss CRM).