Contrato

6. Contratos

6.1. Conceito

Contrato é o acto jurídico plurilateral. É entendido como instrumento ao serviço da juridicidade particular e deve ser reconduzido ao princípio da autonomia privada.

 

Etimologicamente contrato surge de cum + traho que aponta precisamente para a reunião entre duas ou mais realidades.

 

A polémica doutrinária surge da aplicação de contratus. Defendeu-se que havia diferença entre contratos, convenções e pactos. Os primeiros traduziam uma relação objectiva entre duas pessoas; as segundas o acordo de vontades, contratual ou não e as últimas, simples acordos que, por não revestirem os formalismos necessários, não davam lugar a contratos. (De Ruggiero, citado por Menezes Cordeiro).

 

Acreditava-se que na Roma clássica, contrato designava não o seu aspecto subjectivo, isto é, o acordo de vontades, mas antes uma situação objectiva, traduzida na relação entre duas pessoas originada por um acto lícito e reconhecido pelo direito (neste sentido, Francisco Messineo). Porém, para Riccobono, que partindo de textos antigos, demonstra a conventio como acordo das partes, defende que este elemento era a base do contrato.

 

Hoje, admite-se que apesar do contratus romano traduzir, em primeira linha, a relação objectiva entre duas pessoas, não deixava de ter, subjacentemente, a necessidade de acordo entre as partes.

 

Outros traços resultam do seu formalismo e tipicidade, resultando que o contrato só era válido quando celebrado com determinados rituais, por vezes bastante complexos e existiam um numerus clausus de figuras contratuais, tipificados na lei por que as partes deveriam optar no exercício da sua autonomia.

 

Nos desenvolvimentos posteriores algumas práticas caíram em desuso e surgem novos rituais importantes das práticas germânicas feudais e do cristianismo, seguindo-se a práticas simplificadas provocados pelo comércio emergente e o incremento de contratos inominados, contra o princípio da tipicidade.

 

O código de Napoleão (artigo 1101) define o contrato como “uma convenção pela qual uma ou várias pessoas se obrigam, para com a outra ou outras dar, fazer ou não fazer qualquer coisa”. Parece definir mais obrigação do que contrato., porém, tem seu mérito ao entender ser o contrato uma convenção dotada de efeitos obrigacionais.

 

Na Alemanha contrato foi considerado reunião de duas declarações de vontades (neste sentido, Windscheid, citado), tendo no seu seio os contratos obrigacionais, quando o referido acordo fosse constitutivo de obrigações.

 

No Código Italiano de 1865 (artigo 1098) contrato era o acordo entre duas ou mais pessoas para reconstituir, regular ou escolher entre elas um vínculo jurídico; de 1942 (artigo 1321) contrato é acordo de duas ou mais partes para constituir, modificar ou extinguir entre elas uma relação patrimonial.

 

A doutrina portuguesa, por influência do Código napoleónico, acolhe que contrato é o acto jurídico, pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam por consentimento recíproco a dar, fazer ou não fazer alguma coisa (neste sentido, Coelho da Rocha).

 

Código de Seabra: artigo 641: “acordo por que duas ou mais pessoas transferem entre si algum direito, ou se sujeitam a alguma obrigação”.

 

O código actual (também em vigor em grande parte em Moçambique) reconhece que o contrato, longe de se limitar à constituição de obrigações, releva para direitos reais (artigo 408 CC), para o direito da família (artigo 1577 CC[1]), direito das sucessões (artigo 1701 CC) e até direitos de personalidade (artigo 82 CC).

 

O contrato constitui uma figura geral da ordem jurídica de importância primordial, pois, nele se corporiza o princípio da autonomia privada.

 

O código italiano fixa como requisitos dos contratos, o acordo das partes, a causa, o objecto e a forma, quanto resulte ser prescrita na lei, sob pena de nulidade. Acresce-se os elementos naturais (aqueles que não sendo essenciais estariam sempre presentes em diversos contratos, por força de disposições supletivas) e elementos acidentais (os elementos introduzidos pelas partes, ao reverso de normas supletivas).

 

Varela ensina que contrato é o acordo vinculativo assente sobre duas ou mas declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses.

 

O Código Civil moçambicano vigente não define expressamente a figura do contrato, além de admitir a constituição de obrigações com prestação de carácter não patrimonial (art. 398º, n.º 2 CC), considera expressamente como contratos o casamento (hoje, artigo 19 da Lei 10/2004, de 25 de Agosto), do qual brotam relações essencialmente pessoais, bem como o pacto sucessório (arts. 1701º, 2026º, 2028º CC), que é fonte de relações mortis causa.

 

O contrato pode ser hoje, por conseguinte, não só fonte de obrigações (da sua constituição, transferência, modificação ou extinção), mas de direitos reais, familiares e sucessórios.

 

O contrato é essencialmente um acordo vinculativo de vontades opostas, mas harmonizáveis entre si.

 

O seu elemento fundamental é o mútuo consenso. Se as declarações de vontade das partes, apesar de opostas, não se ajustam uma à outra, não há contrato, por que falta o mútuo consentimento.

 

Se a resposta do destinatário da proposta contratual não for de pura aceitação, haverá que considerá-la, em homenagem à vontade do proponente, como rejeição da proposta recebida ou como formulação de nova proposta, até se alcançar o pleno acordo dos contraentes (art. 223º CC).

 

As vontades integram o acordo contratual, embora concordantes ou ajustáveis entre si, têm que ser opostas, animadas de sinal contrário.

 

Se as declarações de vontade são concordantes, mas caminham no mesmo sentido, reflectindo interesses paralelos, não há contrato, mas acto colectivo ou acordo.

 

O contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral isto é, integrado pela manifestação de duas ou mais vantagens diversas que se conjugam para a realização de um objectivo comum.

 

A única razão porque se fala em vontades contrapostas mas convergentes para a produção de um certo efeito, é para distinguir os contratos dos negócios jurídicos unilaterais em que há mais de que um sujeito. E aí as declarações de vontade já não são contrapostas, mas são paralelas.

 

A liberdade de contratual encontra-se consagrada no art. 405º CC, e corresponde a esta ideia muito simples: as partes são livres de celebrar ou não celebrar o contrato que quiserem.

 

A liberdade contratual tem portanto duas vertentes, ou componentes: a liberdade de celebração e liberdade de estipulação.

 

É uma aplicação da regra da liberdade negocial, sendo ambos eles um corolário do princípio da autonomia privada, só limitando, em termos gerais, nas disposições dos arts. 280º e segs. CC (art. 398º CC) e em termos especiais, na regulamentação de alguns contratos.

 

Em virtude deste princípio, ninguém pode ser compelido à realização de um contrato. Esta regra tem também excepções (ex. art. 410º segs. CC).

 

O princípio da liberdade contratual desdobra-se em vários aspectos:

a) A possibilidade de as partes contratarem ou não contratarem, como melhor lhes aprouver;

b) A faculdade de, contratando, escolher cada uma delas, livremente, o outro contraente;

c) A possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos contratos típicos ou paradigmáticos disciplinados na lei ou de incluírem em qualquer destes contratos paradigmáticos cláusulas divergentes da regulamentação supletiva contida no Código Civil.

 



[1] Atenção às alterações da Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto (Lei da família).