Carácter Distintivo do DC

4. Caracteres Distintivos e constitutivos do Direito Constitucional

Apesar da inexistência de um critério único e seguro para distinguir entre direito público e direito privado, a caracterização do direito constitucional como direito público tem uma função didáctica e prática, pois permite pôr em relevo algumas manifestações típicas deste direito:

1. Enquanto o direito público é tendencialmente carac­terizado pela adopção de formas de acção unilateralmente ditadas (lei, regulamento, acto administrativo, sentença — direito coactivo), no direito privado predomina essencialmente (mas não exclusivamente) a autonomia privada (ordem igualitária — direito flexível);

2. Os pode­res públicos têm de agir e só podem agir quando têm competência constitucional ou legalmente fixada (princípio da determinação cons­titucional de competências), ao passo que os sujeitos privados gozam de tendencial liberdade na conformação de relações jurídicas (embora haja também tipicização de competências ou de atribuições nas relações jurídicas de certos ramos de direito privado como o direito das coisas, o direito de família, o direito de sucessões);

3. A actuação dos pode­res públicos subordina-se a princípios constitucionais inderrogáveis — princípio da constitucionalidade, princípio da legalidade, princípio da publicidade — que não valem, ou valem em medida e grau dife­rente, para as relações jurídico-privadas;

4. O controlo jurisdicional dos actos das entidades públicas pode justificar jurisdições e proces­sos específicos (processo de inconstitucionalidade -> Tribunal Cons­titucional; controlo da legalidade -> tribunais administrativos) enquanto para as relações jurídicas privadas se fala numa via judiciária ordinária (tribunais comuns).[1]

Características do Direito Constitucional

O  Direito Constitucional converte-se em elemento de unidade do Ordenamento Jurídico da Comunidade no seu conjunto, tendo em conta que é na Constituição onde se estabelece pressupostos de criação, vigência e execução das normas do restante ordenamento jurídico.

Assim, o Direito Constitucional possui determinadas particularidades que o identificam, quais sejam:

A: Posição Hierarquico-normativa

O direito constitucional é um ramo de direito dotado de certas características especiais. Tem uma «voz» específica expressa através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-lo de outras conste­lações normativas do ordenamento jurídico.

O direito constitucional caracteriza-se pela sua posição hierarquico-normativa superior relativamente aos outros ramos do direito. Ele estabelece-se numa posição superior em relação aos outros ramos do direito. Esta superioridade hierarquico-normativa concre­tiza-se e revela-se em três perspectivas:

(1) as normas do direito constitucional constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas de direito constitucional são normas de normas (norma normarum), afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas (normas legais, normas regulamentares, normas estatutárias); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o prin­cípio da conformidade de todos os actos dos poderes políticos com a constituição.

1. A auto-primazia normativa: As normas constitucionais não buscam a sua validade a partir de outras normas com dignidade hierárquica superior, ou seja, elas são uma lex superiori que recolhem o fundamento da sua validade em si próprias (autoprimazia normativa), normas democraticamente elaboradas, aceites e portadoras de um valor normativo formal e material superior.

A superioridade normativa do direito constitucional implica, como se disse, o princípio da conformidade de todos os actos do poder político com as normas e princípios constitucionais. Em termos aproximados e tendenciais, o referido princípio pode formular-se da seguinte maneira: nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com outra de dignidade superior (princípio da hierarquia), e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princípios constitucio­nais, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia (princípio da constitucionalidade).

· As normas de Direito Constitucional são normas “normae normarum”, afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas, isto é são normas de normas ou fonte primária de produção jurídica implica, o que implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores;

· Conformidade de todos os actos do poder político com a Constituição e princípios constitucionais, isto é nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com outra de dignidade superior (principio de hierarquia das normas), e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princípios constitucionais, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia (principio da constitucionalidade). Isto vem a significar que as normas superiores constituem fundamento da validade das normas inferiores e determinam, até certo ponto, o conteúdo material destas últimas;

· Limitadora das normas de hierarquia inferior, dado que as normas de direito Constitucional desempenham uma função de limite relativamente às leis ordinárias e regulam parcialmente o próprio conteúdo das normas inferiores de forma a obter-se não apenas uma compatibilidade formal entre as normas constitucionais e as normas ordinárias, mas também, uma verdadeira conformidade material.

2. Fonte Primária da Produção Normativa: O carácter das normas de direito constitucional como normas de normas ou fonte primária da produção jurídica implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores. No quadro deste processo de criação, concebido verticalmente como um «processo gradual», as normas superiores constituem fundamento de validade das normas inferiores e deter­minam, até certo ponto, o conteúdo material destas últimas. Daí a existência de uma hierarquia das fontes do direito, isto é, uma relação hierárquica, verticalmente ordenada, à semelhança de uma «pirâmide jurídica».

3. Direito heterodeterminante  - Uma das consequências mais relevante da natureza das normas constitucionais concebidas como heterodeterminações positivas e negativas das normas hierarquicamente inferiores é a conversão do direito ordinário em direito constitucional concretizado. Como determinantes negativas, as normas de direito constitucional desem­penham uma função de limite relativamente às normas de hierarquia inferior; como determinantes positivas, as normas constitucionais regulam parcialmente o próprio conteúdo das normas inferiores, de forma a poder obter-se não apenas uma compatibilidade formal entre o direito supra-ordenado (normas constitucionais) e infra-ordenado (normas ordinárias, legais, regulamentares), mas também uma verda­deira conformidade material.

4. Natureza supra-ordenamental  - A concepção de normas constitucionais no sentido de normae normarum, isto é, normas sobre a produção jurídica, significa ainda que o ordenamento constitucional é um supra-ordenamento relativa­mente aos outros ordenamentos jurídicos do território moçambicano.

B: Auto garantia do Direito Constitucional

O direito constitucional é um direito que gravita em volta de si mesmo, porque a observância dessas normas não é assegurada pela forca de outras instâncias superiores da ordem jurídica, apelando para as suas próprias forcas e garantias de forma a assegurar as condições de realização e execução das suas normas (auto garantia).

Todos os órgãos dos poderes públicos, de forma especial os órgãos de soberania, devem assumir a responsabilidade de respeitar e cumprir as normas constitucionais, independentemente de estas serem ou não susceptíveis de execução forçada, e a sua não observância poder acarretar algum tipo de sanção.

Por vezes, considera-se mesmo o direito constitu­cional como «direito sem sanção» ou como um conjunto de normas imperfectae ou minus quam perfectae, dado que a sua violação não é acompanhada por medidas de coerção (sanções) jurídicas adequadas.

Porém, o Direito Constitucional, à semelhança de muitos outros ramos da ordem jurídica, não tem hoje apenas uma função «repressiva»; incumbe-lhe igualmente uma função promo­cional.

A ideia de direito constitucional como «direito sem sanção» só é válida se com ela se quer aludir à ideia de autogarantia, como traço diferenciador deste direito relativamente aos outros ramos da ordem jurídica. A observância das suas normas não é assegurada pela força de outras instâncias superiores da ordem jurídica; é um direito que gravita sobre si mesmo, apelando para as suas próprias forças e garantias, de forma a assegurar as condições de realização e execução das suas normas. Daí que não haja, rigorosamente, um «defensor da constituição» fora ou acima do direito constitucional: todos os órgãos dos poderes públicos, e, de forma especial, os órgãos de soberania, devem assumir a responsabilidade do respeito e cumprimento das normas constitucionais, independentemente de estas serem ou não susceptíveis de execução forçada (coercibilidade) e de à não obser­vância das mesmas se ligar qualquer tipo de consequência desfa­vorável (sanção).

C: Transversalidade

Por força do lugar iminente que ocupa o Direito Constitucional, faz-se com que este trace as grandes opções da comunidade, o que determina a sua relação com inúmeros temas relevantes para a convivência colectiva.

 D: Policidade

Dado que o seu objecto é o estatuto do poder político;

E: Estadualidade

Por ser o Direito Constitucional, um sujeito e objecto do próprio Estado e por representar a radicalidade da soberania estadual.


[1] Sobre tudo isto, vide CANOTINHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional, 6.a edição revista, LIVRARIA ALMEDINA, COIMBRA, 1993