Modalidade das Obrigacoes

Modalidades das Obrigações

Obrigações Civis e Obrigações naturais

Noção, natureza jurídica, irrepetibilidade e regime das obrigações naturais

 

A relação de subordinação estabelecida entre os titulares da relação traduz-se, no poder que tem o credor de exigir a prestação, no dever que recai sobre o devedor de a efectuar e na sanção aplicável ao devedor incumpridor ou em mora a requerimento do credor lesado.

É neste ponto (a possibilidade de exigir coercitivamente o cumprimento) que reside a distinção entre obrigações civis ou perfeitas e obrigações naturais, nestas, tem o credor o poder de pretender que o devedor cumpra a sua obrigação, nunca a possibilidade de o exigir de forma coerciva.

A obrigação civil é a que permite que seu cumprimento seja exigido pelo próprio credor, mediante acção judicial.

A obrigação natural é aquela a cuja execução não pode o devedor ser constrangido, mas cujo cumprimento voluntário é pagamento verdadeiro.

O conceito legal da obrigação natural resulta do artigo 402 do CC que estatui que “a obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”.

No entanto, o credor pode reter a prestação a título de pagamento, caso o devedor a preste livremente, esse cumprimento espontâneo do devedor é tido como válido e sujeito a retenção por parte do credor (solutio retentio), logo, sem possibilidade de repetição por parte do devedor, sendo aplicável as obrigações naturais o regime das obrigações civis (vide artigo 403º e 404º ambos do CC).

Rafael de Menezes ensina que a obrigação civil produz todos os efeitos jurídicos, mas a obrigação natural não, pois corresponde a uma obrigação moral. Há autores, segundo o autor, que a chamam de obrigação degenerada. São exemplos: obrigação de dar gorjeta, obrigação de pagar dívida prescrita, obrigação de pagar dívida de jogo, etc.

Um desses casos está previsto no artigo 1245.º do CC ao estabelecer que o jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis; porém, quando lícitos, são fonte de obrigações naturais, excepto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerais de direito, ou se houver fraude do credor na sua execução.

A obrigação natural não pode ser exigida pelo credor, e o devedor só vai pagar se quiser, bem diferente da obrigação civil. Vocês sabem que se uma dívida não for paga no vencimento o direito do credor mune-se de uma pretensão, e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Mas tratando-se de obrigação natural, o credor não terá a pretensão para executar o devedor e tomar seus bens. A dívida natural existe, mas não pode ser judicialmente cobrada, não podendo o credor recorrer à Justiça.

A obrigação natural interessa ao Direito, embora corresponda a uma obrigação moral, porque ela, mesmo sendo moral, possui um efeito jurídico: soluti retentio ou retenção do pagamento.

Como diz a doutrina, “a obrigação natural não se afirma senão quando morre”, ou seja, é com o pagamento e sua extinção que a obrigação natural   vai existir para o direito, qssistindo ao credor a soluti retentio.

Mas não se confunda obrigação natural com obrigação inexistente: se o sujeito A paga uma dívida que nunca houve ou sujeito B, este não pode ficar com o dinheiro, sob pena de enriquecimento sem causa. O sujeito A terá direito à repetitio indebiti (= devolução do indevido; em direito “repetir” significa “devolver”, e “indevido” é o que não é devido). Na obrigação natural não cabe a repetitio indebiti, pois o credor dispõe da soluti retentio.

Nesta matéria, o artigo 476.º do CC é claro e afirma que sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação. Continua que a prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 770.º e que a prestação feita por erro desculpável antes do vencimento da obrigação só dá lugar à repetição daquilo com que o credor se enriqueceu por efeito do cumprimento antecipado.

 

Classificação das Obrigações em função dos tipos de prestações

Obrigação de coisa e de facto

Prestação de coisa – Aquela cujo objecto consiste na entrega de uma coisa. Por exemplo, na hipótese de alguém comprar um bem, o vendedor obriga-se a entregá-lo (vide o que dispõe no artigo 879º CC).

No que concerne às prestações de coisa podemos falar no objecto imediato e mediato da prestação.

Objecto imediato – consiste na própria conduta a adoptar pelo devedor, no próprio acto de entrega da coisa.

Objecto mediato – consiste na coisa em si, no objecto da prestação, o bem sobre o qual incide a compra e venda.

Podendo existir na prestação de coisa a distinção que acabamos de assinalar, é de referir a posição do Prof. Menezes Leitão; “O interesse do credor verifica-se normalmente em relação à coisa, que tem uma existência independente da prestação, e não em relação à actividade do devedor. No entanto, o direito de crédito nunca incide directamente sobre a coisa, antes sobre a conduta do devedor, já que se exige sempre a mediação da actividade do devedor para o credor obter o seu direito. Daí que mesmo nos casos de prestações de coisa, o credor não tenha qualquer tipo de direito sobre a coisa, o que só sucede no caso dos direitos reais, mas antes um direito a uma prestação, que consiste na entrega dessa coisa.

 

A Prestação de Facto – É aquela que consiste em realizar uma conduta de outra ordem, como na hipótese de alguém se obrigar a prestar um serviço (vide o artigo 1154º do CC).

Prestações de facto material – São aquelas prestações em que a conduta que o devedor se compromete a realizar é uma conduta puramente material, não destinada à produção de efeitos jurídicos (ex. realizar ou não determinada obra).

Prestações de facto jurídico – A conduta do devedor aparece destinada à produção de efeitos jurídicos, sendo assim esse resultado jurídico incluído na prestação (ex. mandato, celebrar ou não celebrar determinado contrato).

Prestações de facto positivo (facere) – aquelas em que a prestação tem por objecto uma acção.

Prestações de facto negativo – Aquelas em que a prestação tem por objecto uma omissão do devedor (artigo 829 CC), estas subdividem-se em:

a)Prestações de non facere – aquelas em que a omissão se dirige à não adopção de determinada conduta.

b)Prestações de pati – aquelas em que a omissão se dirige ao tolerar de determinada conduta de outrem.

 

Obrigações fungíveis e obrigações infungíveis

a)Prestações fungíveis – aquelas em que a prestação pode ser realizada por outrem, que não o devedor, podendo este fazer-se substituir no cumprimento (por exemplo, art.767º CC).

b)Prestações infungíveis – aquelas em que só o devedor pode realizar a prestação, não sendo permitida a sua realização por terceiro (artigo 767º, n.º 2 CC).

Regra geral as prestações são fungíveis, no entanto o n.º 2 do artigo 767º CC admite a infungibilidade de certas prestações, essa infungibilidade pode ser natural (quando a substituição do devedor cause prejuízos ao credor) ou convencional (quando os titulares da relações houverem acordado que a prestação apenas poderá ser cumprida pelo devedor).

A fungibilidade da prestação tem uma importância especial para efeito da execução específica da obrigação. Efectivamente, se a prestação é fungível, pode o credor, sem prejuízo para o seu interesse, obter a realização da prestação de qualquer pessoa e não apenas do devedor. Admite-se, por isso, que o credor requeira ao tribunal que determine a realização da prestação por outrem a expensas do devedor (artigos 827º, 828º e SS CC).

Se a prestação é infungível, a substituição do devedor no cumprimento já não é possível, pelo que a lei não admite a execução específica da obrigação.

De referir ainda o regime específico a que as obrigações infungíveis estão sujeitas, em caso de impossibilidade da prestação, uma vez que nelas a impossibilidade relativa à pessoa do devedor acarreta mesmo a extinção da obrigação, em virtude de não ser admitida a sua substituição no cumprimento, como se pode constatar do disposto no artigo 791º CC.

 

Obrigações instantâneas e obrigações duradouras

Prestações instantâneas – são aquelas cuja execução ocorre num único momento (ex. entrega da coisa no contrato de compra e venda, art.879ºb).

Contidas nas prestações instantâneas estão:

a)Prestações instantâneas integrais – são as que são realizadas de uma vez só (ex. realização da obra pelo empreiteiro, art.1208º CC).

b)Prestações instantâneas fraccionadas – são aquelas em que o seu montante global é dividido em varias fracções, a realizar sucessivamente (ex. o pagamento do preço na venda a prestações, art. 934º CC).

Prestações duradouras – aquelas cuja execução se prolonga no tempo, em virtude de terem por conteúdo ou um comportamento prolongado no tempo ou uma repetição sucessiva de prestações isoladas por um período de tempo (ex. as prestações relativas ao contrato de locação).

O essencial para a caracterização de uma prestação como duradoura é que a sua realização global dependa sempre do decurso de um período temporal, durante o qual a prestação deve ser continuada ou repetida.

Neste sentido, podemos distinguir, dentro das prestações duradouras:

a)Prestações duradouras continuadas – a prestação não sofre qualquer interrupção (ex. a prestação do locador, art.1031º).

b)Prestações duradouras periódicas – a prestação é sucessivamente repetida em certos períodos de tempo (ex. o pagamento da renda pelo locatário, art.1038º). Trata-se de uma prestação duradoura no sentido em que aumenta em função do decurso do tempo.

Pelo contrário, as prestações instantâneas não têm o seu conteúdo e extensão delimitados em função do tempo.

As prestações instantâneas fraccionadas podiam confundir-se com as prestações duradouras periódicas. A distinção é facilmente perceptível.

Nas prestações instantâneas fraccionadas está-se perante uma única obrigação cujo objecto é dividido em fracções, com vencimentos intervalados, pelo que há sempre uma definição prévia do seu montante global e o decurso do tempo não influi no conteúdo e extensão da prestação, mas apenas no seu modo de realização.

Nas prestações duradouras periódicas, verifica-se uma pluralidade de obrigações distintas, embora emergentes de um vínculo fundamental que sucessivamente as origina, pelo que, por definição, não pode haver qualquer fixação inicial do seu montante global, já que é o decurso do tempo que determina o número de prestações que é realizado. Assim, o locatário só deve as rendas correspondentes ao tempo de duração do contrato de locação, sendo sempre em função do decurso do tempo que se determina o conteúdo da sua obrigação.

O facto do decurso do tempo determinar o conteúdo da obrigação e não apenas o momento em que esta deve ser realizada é assim o que distingue as prestações duradouras das instantâneas.

 

Obrigações genéricas e Obrigações Alternativas

O artigo 539.º CC estabelece que “se o objecto da prestação for determinado apenas quanto ao género, compete a sua escolha ao devedor, na falta de estipulação em contrário”. Porém, enquanto a prestação for possível com coisas do género estipulado, não fica o devedor exonerado pelo facto de perecerem aquelas com que se dispunha a cumprir, segundo o artigo 540 CC.

As obrigações alternativas encontram o seu assentamento no artigo 543.º do CC que ao ditar que é alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada. Refere ainda que na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao devedor. Nas obrigações alternativas o devedor não pode escolher parte de uma prestação e parte de outra ou outras, nem ao credor ou a terceiro é lícito fazê-lo quando a escolha lhes pertencer.

 

Obrigações determinadas e obrigações indeterminadas

Resulta dos art. 280º e 400º que a prestação, enquanto objecto da obrigação, não necessita de se encontrar determinada no momento da conclusão do negócio, bastando que seja determinável. Como tal distinguimos entre:

Prestações determinadas – São aquelas em que a prestação se encontra completamente determinada no momento da constituição da obrigação.

Prestações indeterminadas – São aquelas em que a determinação da prestação ainda não se encontra realizada, pelo que essa determinação terá que ocorrer até ao momento do cumprimento.

Razões para a indeterminação da prestação no momento da conclusão do negocio:

  • ·Essa indeterminação pode resultar do facto de as partes não terem julgado necessário tomar posição sobre o assunto, em virtude de existir regra supletiva aplicável, ou de pretenderem aplicar ao negócio as condições usuais do mercado.
  • ·Outras vezes resulta de as partes terem pretendido conferir a uma delas a faculdade de efectuar essa determinação, porque só essa parte tem os conhecimentos necessários para o poder fazer adequadamente.

As partes podem acordar que essa informação seja fornecida à outra parte antes da celebração do contrato. Nesses casos a prestação vem a ser determinada durante as negociações, o que permite que esteja determinada no momento da conclusão do negócio.

Quando, porem, essa circunstancia não ocorre, tal significa que as partes delegaram numa delas a faculdade de determinar o conteúdo da prestação. Essa situação pode qualificar-se como um poder potestativo, que tem como contrapolo um estado de sujeição a contraparte vai ver o conteúdo da prestação ser determinado pela outra parte. No entanto, e ao abrigo do art.400º, o poder de determinar a prestação nunca é absoluto.

Obrigações de meio e obrigações de resultado

Prestações de resultado – o devedor vincula-se a obter um resultado determinado, respondendo por incumprimento se tal resultado não for alcançado.

Prestações de meios – o devedor não está obrigado à obtenção do resultado, apenas a actuar com a diligência necessária para que esse resultado seja obtido.

A distinção entre prestações de resultado e prestações de meio veio a ser alvo de criticas na doutrina, Gomes da Silva demonstra o fracasso da distinção. Com efeito, mesmo nas obrigações de meios existe a vinculação a um fim, que corresponde ao interesse do credor, e se o fim não é obtido presume-se sempre a culpa do devedor. Efectivamente, em ambos os casos aquilo a que o devedor se obriga é sempre uma conduta (a prestação), e o credor visa sempre um resultado, que corresponde ao seu interesse (art. 398ºnº2).

Por outro lado, cabe sempre ao devedor o ónus da prova de que realizou a prestação (art.342º nº2) ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (art.799º)

 

Obrigações pecuniárias

Consiste numa prestação de pagamento em dinheiro a favor do credor. A lei refere que o cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário (vide artigo 550 CC). É permitida a actualização das prestações, em atenção às flutuações do valor da moeda, observando as regras do artigo 551 do Código Civil.

A obrigação pecuniária pode ser de quantidade (artigo 550 CC) e de moeda específica com quantitativo expresso (artigo 552º CC), de moeda específica sem quantitativo expresso em moeda corrente (artigo 553º CC) de moeda específica ou de certo metal com quantitativo expresso em moeda corrente (artigo 554º CC) de moeda específica sem curso legal (artigo 555º CC) ou mesmo em moeda estrangeira (artigos 558 e ss CC).

Obrigações de Juro

São as obrigações que geram juros em, por acordo das partes ou por imposição legal, em casos de mora do devedor. Estão previstas no artigo 559 do CC.

É importante notar que os juros usurários são anuláveis, nos termos do artigo 1146 do Código Civil.

 

Classificação das obrigações em função da pluralidade dos sujeitos

Obrigações solidárias

O artigo 512 do CC define obrigação solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.

A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários (artigo 512, n.º 2 CC).

A solidariedade de devedores ou credores pode resultar da lei ou da vontade das partes (artigo 513 CC).

São solidárias porque não depende da divisibilidade do objecto, pois decorre da lei ou até mesmo da vontade das partes. Pode ser solidariedade activa ou passiva, de acordo com os sujeitos que se encontram em número plural dentro da relação. Quando qualquer um deve responder pela dívida inteira, assim que demandado, tendo direito de regresso contra o sujeito que não realizou a prestação. EX:. "A" e "B" são sujeitos passivos de uma obrigação. "C", sujeito activo, demanda o pagamento da dívida a "A" que cumpre a prestação sozinha e pode, posteriormente, cobrar de "B" a parte que pagou a mais.

 

Obrigações divisíveis e plurais indivisíveis

Segundo o artigo 534 do CC, as obrigações divisíveis são iguais as partes que têm os vários credores ou devedores, se outra proporção não resultar da lei ou do negócio jurídico; mas entre os herdeiros do devedor, depois da partilha, serão essas partes fixadas proporcionalmente às suas quotas hereditárias, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 2098.º.

Obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores constam do artigo 535º do CC e assevera que  “se a prestação for indivisível e vários os devedores, só de todos os obrigados pode o credor exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei” e que quando ao primitivo devedor da prestação indivisível sucedam vários herdeiros, também só de todos eles tem o credor a possibilidade de exigir o cumprimento da prestação.

Se a obrigação indivisível se extinguir apenas em relação a algum ou alguns dos devedores, não fica o credor inibido de exigir a prestação dos restantes obrigados, contanto que lhes entregue o valor da parte que cabia ao devedor ou devedores exonerados. (artigo 534 CC).