Normas, Princípios e Preceitos

6.1.3 - As normas constitucionais

 

As disposições constitucionais são disposições jurídicas como quaisquer outras. Entre as classificações ou contraposições de mais particular incidência no domínio do Direito Constitucional avultam as seguintes:

 

Normas Constitucionais Materiais e Normas Constitucionais de Garantia:

As primeiras são aquelas que formam ou reflectem o núcleo da Constituição em sentido material, a ideia de direito modelador do regime ou da decisão constituinte, e as segundas são aquelas que estabelecem diferentes modos de assegurar o seu cumprimento frente ao próprio Estado, por meios preventivos ou sucessivos que lhe emprestem efectividade.

 

Normas Constitucionais Preceptivas e Normas Constitucionais Programáticas:

São preceptivas, aquelas de eficácia imediata ou pelo menos de eficácia não dependente de condições institucionais ou de facto, por exemplo artigo 26, 40 da CRM; são programáticas aquelas que, dirigidas a certos fins e as transformações não só jurídicas mas também das estruturas sociais ou da realidade constitucional implicam a verificação pelo legislador, no exercício de um verdadeiro poder discricionário, da possibilidade de as concretizar, por exemplo, os artigos. 84, 88, 89, 90 do diploma em apreço;

 

As normas programáticas são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras explicitam comandos-valores, têm como destinatário primacial - embora não único - o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia;

 

Normas Constitucionais Exequíveis e Não Exequíveis por si mesmas

As primeiras aplicáveis só por si, sem necessidade de lei que as complemente e as segunda carecidas de normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis as situações da vida;

 

Jorge Miranda tipifica ainda, da seguinte forma, além das classificações acima:

a) Normas de regulamentação e normas técnicas - consoante possuem um sentido específico de regulamentação ou se limitam a dar, no conjunto sistemático do ordenamento, o enquadramento técnico-legislativo de que aquelas podem carecer (assim, as definições legais, as regras de qualificação ou as chamadas normas ordenadoras);

 

b) Normas autónomas e normas não autónomas - consoante valem por si, contêm todos os elementos de uma norma jurídica, ou somente valem integradas ou conjugadas com outras;

 

c) Normas prescritivas e normas proibitivas - conforme prescrevem ou vedam determinado acto ou comportamento;

 

d) Normas Primárias e normas secundárias ou sancionatórias - conforme dispõem sobre as relações e as situações da vida ou estabelecem garantias do cumprimento das primeiras, nomeadamente sanções;

 

e) Normas inovadoras e normas interpretativas - consoante introduzem uma modificação na ordem jurídica ou se propõem definir o sentido e o alcance de outras normas;

 

f) Normas directas e normas derivadas - consoante são apreensíveis directamente nas disposições expressas ou se encontram implícitas noutras normas.

 

g) Normas gerais e normas especiais - conforme dispõem para a generalidade dos casos ou para situações especiais neles contidas;

 

h) Normas de direito comum e normas de direito particular - consoante se destinam à generalidade das pessoas ou a certas categorias de pessoas em particular (quando é em razão do território dizem-se normas de direito local);

 

i) Normas  gerais e normais excepcionais - conforme cor respondem a princípios gerais ou a excepções a esses princípios (enquanto que as normas especiais são desenvolvimentos diferenciados de um só princípio, as normas excepcionais assentam em princípios antagónicos dos adoptados pelo ordenamento jurídico);

 

j) Normas materiais e normas remissivas - consoante encerram em si a regulamentação ou a devolvem para a regulamentação constante de outras normas;

 

k) Normas exequendas e normas de execução – consoante execução depende de outras ou tem por exactamente, dar execução a normas preexistentes;

 

l) Normas Principais e normas subsidiárias - consoante se aplicam por si próprias ou se aplicam apenas na falta de normas que especificamente se ocupem das relações ou situações;

 

m) Normas constitucionais de fundo, orgânicas ou processuais ou de forma - as primeiras, sobretudo respeitantes às relações entre a sociedade e o Estado ou ao estatuto das pessoas e dos grupos dentro da comunidade política; as segundas, definidoras dos órgãos do poder, da sua estrutura, da sua competência, da sua articulação recíproca e do estatuto dos seus titulares; as terceiras, relativas aos actos e actividades do poder, aos processos jurídicos de formação e expressão da vontade - de uma vontade necessariamente normativa e funcional;

 

 

6.1.4 - Princípios e preceitos constitucionais

 

O ordenamento jurídico traduz-se em princípios. A sua acção imediata consiste em funcionarem como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema.

 

Embora muito aceita a distinção entre normas e princípios, ela nem sempre é fácil de ser firmada. Os autores prendem-se a mais de um critério. O mais habitual é o grau de abstracção, pelo qual não se acentua a diferença qualitativa entre princípios e normas, mas tão-somente se insiste no grau tendencialmente mais abstracto dos princípios em relação às normas.

 

Outras vezes, o que se evidencia é a aplicabilidade, o que vale dizer que os princípios demandariam medidas de concentração em comparação com a possibilidade de aplicação directa das normas.

 

Finalmente, há o critério da separação radical, que vislumbra na relação entre normas e princípios uma rigorosa distinção qualitativa, quer quanto à estrutura lógica, quer quanto à intencionalidade normativa.

 

Apesar das singularidades que cercam os princípios, estes não se colocam, na verdade, além ou acima do direito. Juntamente com as normas, fazem parte do ordenamento jurídico. Não se contrapõem às normas, mas tão-somente aos preceitos. As normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições.

 

Em outras palavras, as Constituições não são conglomerados caóticos e desestruturados de normas que guardam entre si o mesmo grau de importância. Pelo contrário, elas se afiguram estruturadas num todo, sem embargo de manter a sua unidade hierárquico-normativa; é dizer: todas as normas apresentam o mesmo nível hierárquico.

 

Ainda assim, contudo, é possível identificar o facto de que certas normas, na medida em que perdem o seu carácter de precisão de conteúdo, isto é, perdem densidade semântica, elas ascendem para uma posição que lhes permite sobrepairar uma área muito mais ampla. O que elas perdem, pois, em carga normativa, ganham como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas. No fundo, são normas tanto as que encerram princípios quanto as que encerram preceitos.

 

Uma lei constitucional não pode violar-se a si mesma. Contudo, poderia suceder que uma norma constitucional de significado secundário, nomeadamente uma norma só formalmente constitucional, fosse de encontro a um preceito material fundamental da Constituição: ora, o facto é que, no caso de semelhante contradição, a norma constitucional de grau inferior seria inconstitucional e inválida.

 

Reinhold Zippelius afirma que a Constituição pode conter preceitos secundários ao lado das normas fundamentais do Estado, dando exemplo de um preceito constitucional que permite aos deputados utilizar os meios de comunicação públicos sem ter de pagar bilhete.

Para Canotilho, o princípio da unidade hierárquico-normativa significa que todas as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais nem hierarquia de supra-infraordenação dentro da lei constitucional). De acordo com esta premissa, só o legislador constituinte tem competência para estabelecer excepções à unidade hierárquico-normativa dos preceitos constitucionais (ex.: normas de revisão concebidas como normas super-constitucionais).

 

Os princípios desempenham as seguintes funções:

 

Em primeiro lugar, sobretudo nos momentos revolucionários, resulta saliente a função ordenadora dos princípios. As revoluções, no mais das vezes, são feitas em nome de poucos princípios, a partir dos quais extrair-se-ão os preceitos que, depois, mais directa e concretamente regerão a sociedade e o Estado.

 

Outras vezes, os princípios desempenham uma acção imediata, na medida em que tenham condições para serem auto-executáveis.

 

Exercem, ainda, uma acção tanto no plano integrativo e construtivo como no essencialmente prospectivo. No primeiro caso, os princípios ficam à mercê de uma legislação integradora que lhes dê eficácia. No segundo caso, na sua função prospectiva, os princípios procuram ganhar uma aplicabilidade cada vez maior, gotejando o seu conteúdo por diversos sectores da vida social. Exemplo destes últimos seria o princípio democrático, cuja maior conformação da vida social pode ir sendo adquirida na proporção em que se for fazendo uso dele.

 

Os princípios constitucionais dividem-se em 3 categorias:

Princípios Axiológicos Fundamentais, correspondentes aos limites transcendentes do poder constituinte, ponte de passagem do direito natural para o direito positivo, por exemplo a proibição de descriminações, direito à vida, liberdade de circulação, etc. (vide artigos 35 e ss da CRM).

Princípios Políticos Constitucionais, correspondentes aos limites imanentes do poder constituinte, aos limites específicos da revisão constitucional, é o exemplo do princípio democrático, o princípio representativo, o da constitucionalidade, o da separação dos órgãos do poder, o da subordinação do poder económico ao poder político, etc, como postula a constituição no artigo 134 e 129.

Princípios Constitucionais Instrumentais ou Adjectivos, correspondentes à estruturação do sistema constitucional, em termos de racionalidade e operacionalidade, por exemplo o princípio da proporcionalidade, o da publicidade das normas jurídicas (artigo144), o da competência (artigo 159, 179, 244...) etc.

    

Canotilho desdobra em quatro modalidades principais os diversos tipos de princípios:

1. Princípios jurídicos fundamentais – são princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência, encontrando uma recepção expressa ou implícita no Texto Constitucional. Têm força vinculativa, de modo tal, a poder dizer-se ser a liberdade de conformação legislativa vinculada pelos princípios jurídicos gerais.

 

2. Princípios politicamente conformadores – são aqueles que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Por eles, a Constituição assume as suas opções políticas mais importantes. São princípios que se referem à forma de Estado, à estruturação da sua ordem económico-social, à estruturação do regime político.

 

3. Princípios constitucionais impositivos, caracterizados por impor aos órgãos do Estado, sobretudo ao Legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. São conhecidos também por normas programáticas.

 

4. Princípios-garantia – são princípios mais voltados à estatuição de garantias para os cidadãos. Em função disto, o legislador se encontra estreitamente vinculado à sua aplicação. Exemplos: nullum crimen sine lege, in dubio pro reo, presunção da inocência, etc.

 

 

6.1.5 - Tipologia dos preceitos constitucionais

 

Os preceitos constitucionais podem ser respeitantes aos direitos, às liberdades e às garantias dos cidadãos.

 

Há, igualmente, preceitos constitucionais referentes à organização, com­petência e procedimento dos órgãos constitucionais (órgãos de soberania e demais órgãos públicos.

 

Os preceitos constitucionais são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públi­cas e privadas.

 

 

 

 

 

 

Bibliografia:

CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, 6ª edição revista, Livraria Almedina, Coimbra, 1993.

MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomos II e III, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1998.

MORAES, Alexandre de – Direito Constitucional, 13ª edicao, Editora Atlas S.A.,São Paulo, 2003.

BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, 20ª edicao, Saraiva editora, São Paulo, 1999.